quarta-feira, 17 de abril de 2024

“PROSAS SEGUIDAS DE ODES MÍNIMAS”, de José Paulo Paes

 

“PROSAS SEGUIDAS DE ODES MÍNIMAS”, de José Paulo Paes

Publicado em 1992, “Prosas seguidas de odes mínimas”, de José Paulo Paes, pertence ao 3º Tempo Modernista e é composto de duas partes contendo vinte textos em prosa poética e treze odes curtas (à exceção "A minha Perna").

O autor recorre, nos títulos de poemas a uma nomenclatura da lírica tradicional: canção, noturno, balada, ode, e abordam aspectos memorialísticos, literários, existenciais e sociais, e têm a presença constante da esposa do autor, Dora. A obra começa falando de morte e termina falando em nascimento, mostrando, ao que parece ser, uma experiência de separação.

O livro é uma mistura de temas que vão do lirismo à crítica política e fazem com que o leitor tenha uma ideia geral da obra. Por esses motivos é um dos livros mais completos. O autor repassa por toda sua trajetória e é como se tivesse a preocupação de lapidar novamente toda sua forma e estilo.

Em “Escolha de túmulo”, coloca o pós-morte como uma nova vida, um novo vôo. Faz mais uma nova leitura em “Canção de exílio” do poema de Gonçalves Dias. Existe a presença da figura de seu pai no poema “Um retrato”, uma homenagem que também contém a morte como tema de reflexão. Esse mesmo tema encontra-se embutido no poema “Reencontro”, onde o autor se encontra em sonho com o teatrólogo Osman Lins, falecido anos atrás. O crédito de maior destaque pode ser dado ao poema: “À minha perna esquerda”. Trata-se de uma sequência de poemetos de características epigramáticas, num total de sete, onde conta sobre si mesmo de maneira tétrica e sarcástica sobre a perda de sua perna esquerda. É forte a intenção interpretativa que se embute no inevitável sacrifício. Nos poemas finais, tece uma quase crônica dos detalhes, sintetiza no cotidiano de objetos e lugares sua poética de forma condensada e rebuscada para dentro de si mesmo.

Contém nesta coletânea: “Escolha de túmulo”, “Noturno”, “Canção de exílio”, “Um retrato”, “Outro retrato”, “A casa”, “Iniciação”, “Nana para Glaura”, “Balancete”, “Reencontro”, “Balada do Belas-Artes”, “À minha perna esquerda”, “À bengala”, “Aos óculos”, “À tinta de escrever”, “Ao shopping center”, “Ao espelho”, “Ao alfinete” e “A um recém-nascido”.

É uma obra de caráter extremamente conciso, que remonta em alguns aspectos à literatura de Oswald de Andrade, como a paródia, o trocadilho, o humor, a poesia sintética, o espírito satírico. No entanto, o poeta não se aproxima apenas de Oswald de Andrade. Sente-se nele uma familiaridade com Drummond, principalmente no aspecto gauche de alguns poemas. Basta ler o texto "Canção do adolescente" transcrito abaixo:

Se mais bem olhardes
notareis que as rugas
umas são postiças
outras literárias.
Notareis ainda
o que mais escondo:
a descontinuidade
do meu corpo híbrido.
Quando corto a rua
para me ocultar
as mulheres riem
(sempre tão agudas!)
do meu corpo.
Que força macabra
misturou pedaços
de criança e homem
para me criar?
Se quereis salvar-me
desta anatomia,
batizai-me depressa
com as inefáveis
as assustadoras
águas do mundo.

Neste poema o eu-lírico se descreve como uma junção um tanto desajeitada do adolescente com o amadurecido, criando um híbrido dotado de uma anatomia que inspira compaixão ou riso.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

NÓS MATAMOS O CÃO TINHOSO, 1964, LUÍS BERNARDO HONWANA

 I – AUTOR:

Luís Bernardo Honwana nasceu no ano de 1942 na cidade de Lourenço Marques, capital que teve seu nome mudado para Maputo após a independência política do país, essa mudança de nome se justifica pelo fato de Lourenço Marques ter sido uma figura associada à colonização portuguesa. A escolha do nome Maputo homenageia um rio local.

- Honwana, mudou-se com a família para o interior do país, província ultramarina portuguesa, mas em 1959, volta à capital para dedicar-se à atividade jornalística.

- O autor era militante da FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique e esteve preso no período de 1964 até 1967, ano do início da Guerra da Independência, também conhecida como Luta Armada de Libertação Nacional – conflito armado para libertar Moçambique do regime opressor colonial português.

- Também em 1964, Honwana, com 22 anos, publica seu único livro, “Nós Matamos o Cão Tinhoso”. Essa antologia de contos o colocou como um dos nomes mais importantes da literatura de seu país.

- Sobre essa prisão, o próprio Honwana explica que não teve muito a ver com a atividade literária, mas política, de fato:

“A publicação do livro gerou muita polêmica em Moçambique, mas não creio que a minha prisão tenha diretamente a ver com os meus escritos. O livro só teve a sua circulação "desencorajada" pelas autoridades coloniais muito mais tarde, em 1965, após o fechamento em Portugal da Sociedade Portuguesa de Autores, na sequência da premiação do "Luanda" de Luandino Vieira. “

- Acredita-se que a militância de Honwana vem de família, pois seu avô participou na organização do movimento da África do Sul, dirigido mais tarde por Mandela, em Moçambique, e seu pai foi um dos primeiros presos políticos moçambicanos, o que justifica sua tendência à militância.

- Além do Jornalismo, Honwana tem formação em Direito, Pintura e Cinema, também foi um exímio atleta.

- O autor viveu sempre como cidadão dos dois mundos presentes em Moçambique: no espaço rural durante a infância e, por isso, relaciona-se com a língua materna, o ronga, mas também ouvia desde pequeno o português, já que seu pai era intérprete da administração.

- Após a Independência de Moçambique, em 1975, participou ativamente da vida política do país e ocupou vários cargos públicos. Atualmente, é o diretor executivo da Fundação para a Conservação da Biodiversidade (BIOFUND).

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II - ESTILO/ESCOLA LITERÁRIO:

- “Nós Matamos o Cão-Tinhoso” é a única prosa publicada em Moçambique, no período colonial, referenciada como marco histórico e testemunhal, como também um manifesto, pois representa a luta do colonizado moçambicano e a coletividade da qual ele participa e pela qual ele fala.

- Até a década de 1940 era comum, na então colônia portuguesa, a circulação de textos literários que atendiam aos anseios da colonização, portanto aos anseios do mundo branco europeu. Eram produções voltadas para a afirmação do discurso colonial e para a desvalorização das culturas e povos locais.

-  Após esse período, escritores moçambicanos lançaram-se mais à produção de poesia que a de prosa, que começa a figurar, mais tarde, no cenário literário moçambicano.

- O escritor africano vivia, até a data da independência, no meio de duas realidades às quais não podia ficar alheio: a sociedade colonial e a sociedade africana.

- Ao produzir literatura, os escritores forçosamente transitavam pelos dois espaços, pois assumiam as heranças oriundas de movimentos e correntes literárias da Europa e das Américas e as manifestações advindas do contato com as línguas locais.

- Dessa forma, “a definição de um modo de fazer literatura moçambicana acompanhava a necessidade de estabelecer uma nação”. É no contexto da pós-independência que nasce o conceito de moçambicanidade, portanto era uma geração nacionalista, voltada para a luta

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III – CONTEXTO HISTÓRICO:

- A obra “Nós matamos o cão-tinhoso” foi publicada em 1964, ano em que estourou a luta pela independência de Moçambique da opressão colonial portuguesa e estendeu-se até 1974, quando a Revolução dos Cravos pôs fim à ditadura em Portugal e o reajuste político do país.

- Os contos de Honwana, dessa forma, denunciavam as mazelas da colonização, despertando no povo moçambicano um sentimento anticolonial em um cenário de conflitos que duraram cerca de dez anos.

Além da miséria, da fome, do desrespeito aos idosos e às mulheres, da destruição de famílias, da desvalorização das culturas locais, da violência gerada pela dominação portuguesa, com uma intensa exploração do trabalhador ao longo de mais de quatro séculos, a colonização deixou outras cicatrizes, pois mesmo após a independência de

- Moçambique, em 1975, seu povo continuou lutando em uma guerra civil que durou cerca de 15 anos.

- Dessa forma, ao considerar o conturbado momento de publicação, 1964, Honwana faz de seu livro uma arma de combate contra o colonialismo. Nele o autor denuncia as mazelas do sistema colonial português, desnudando as relações opressivas que estão expostas a sociedade moçambicana pelo julgo lusitano. Nós Matamos o Cão Tinhoso, é um manifesto contra tudo aquilo que o colonialismo representa. Seus contos traduzem toda a tensão pré-guerra de uma sociedade que não suporta mais o autoritarismo, os desmandos coloniais, a arbitrariedade, a exploração, a violência e todas formas de injustiças e opressões as quais são impostas aos moçambicanos, restando a eles apenas a revolta contra o sistema colonial e, por conseguinte, o conflito armado em busca daquilo que nunca deveria ser subtraído de nenhum individuo: sua dignidade, humanidade e liberdade.

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IV - INTRODUÇÃO:

- Obra polêmica, foi criticada por aqueles que defendiam o colonialismo português, e aclamada pelos que defendiam a liberdade e a autonomia do país.

- “Nós matamos o cão tinhoso” porta uma mensagem de natureza anticolonial, um contra discurso, direcionado aos colonizados, mas também aos colonizadores.

- Em seu livro, Honwana mostra-se como um indivíduo comprometido com a emancipação política, pois nele dá voz aos oprimidos, aos subalternizados pela colonização europeia, denunciando a violência e os males advindos da colonização.

- Em todas essas narrativas, é retratado o contexto opressor vivido pelos moçambicanos durante o período colonial, revelando o questionamento da realidade social vigente. Para tanto, é enfatizado aspectos como a violência material e simbólica, o racismo e todo tipo de injustiças sociais e econômicas, as quais era submetida a população moçambicana.

- Na sua totalidade, as narrativas de Honwana denunciam as forças produtivas em jogo, o autoritarismo do Estado colonial, a opressão exercida pelas instituições de poder e pelo seu aparelho ideológico. Além disso, evidenciam certos aspectos de conscientização social e de classe de determinadas personagens.

- Apesar de ser a única obra do autor, chama-nos a atenção o fato de ter sido editada nos diferentes países: alemão, espanhol, francês, inglês e sueco, além das várias edições em Português em Moçambique e Portugal. No Brasil, teve uma única edição em 1980.

- A obra recebeu prêmios em Moçambique e na África do Sul, e foi classificada entre os "100 melhores livros africanos do século XX", pela ASC Library, da Universiteit Leiden, na Holanda.

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V -  ESTRUTURA:

- “Nós Matamos o Cão Tinhoso”, a partir da edição de 1980, é composto por sete contos: “Nós Matamos o Cão Tinhoso”, “Inventário de Imóveis e Jacentes”, “Dina”, “A Velhota”, “Papá, Cobra e Eu”, “As Mãos dos Pretos” e “Nhinguitimo”.

- Na publicação brasileira realizada pela Editora Kapulana em 2017, há também um conto do autor nunca antes publicado em livro, “Rosita, até morrer”.

- De acordo com Honwana, alguns dos contos presentes no “Nós Matamos o Cão Tinhoso” foram divulgados, antes de 1964, em periódicos:

“Os contos que compõem o “Nós Matámos o Cão Tinhoso” foram escritos entre 1961 e 1963 e o livro foi publicado antes da minha prisão (que ocorreu em dezembro de 1964).

- O conto "Inventário de Imóveis e Jacentes" foi o primeiro a ser publicado na imprensa moçambicana (Suplemento literário de A Tribuna). O conto "Papá, cobra e eu", traduzido em inglês por Dori Guedes, venceu o concurso literário internacional da revista The Classic, editada na África do Sul. (HONWANA).

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VI - ESPAÇO E TEMPO:

Moçambique Colonial.

Década de 1960.

- A representação da sociedade é o traço mais marcante na obra do escritor moçambicano e deve ser compreendida no contexto da política internacional “em que o continente africano começa a se libertar do jugo colonial, e da política nacional, em que a censura começa a ficar mais apertada nas colônias, uma vez que se pretendia a todo custo evitar a independência”. Assim, a exploração colonial, a segregação racial e a opressão exercida pelos aparelhos do Estado são destacadas nos contos.

As formas de resistência também podem ser notadas, pois os pássaros que sobrevoam as plantações podem ser percebidos, metaforicamente, como estando ali para avisar ao povo que a revolução está chegando. Alguns meses após a publicação do livro a luta armada pela independência iniciou-se.

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VII – TEMÁTICA:

Honwana utiliza seus contos como arma para combater a opressão colonial, questionando a ordem estabelecida até aquele momento. Ao denunciar as variadas formas de violência e opressão praticadas pela Metrópole, o autor faz ecoar para além das fronteiras da colônia as condições degradantes de vida de seres humanos cuja até o direito à humanidade lhes foi negado.

Cabe a literatura, alinhada aos princípios dos estudos pós-coloniais, denunciar o colonialismo, expor sua verdadeira face: a violência, a opressão, o racismo e a desumanidade. Para assim, promover a conscientização a respeito do continente e do povo africano, suas singularidades de modo a desfazer os estereótipos historicamente construídos.

- Denuncia a realidade sufocante vivida pelos trabalhadores colonizados e suas famílias durante a opressão colonial portuguesa em Moçambique, parte das narrativas do ponto de vista das crianças.

- O autor irá imprimir em sua obra um tom de dominação, opressão, relação de forças desiguais e tudo isso marcado por uma imensa capacidade de evocação de imagens fortes e sentimentais numa narrativa objetiva e exposta em pequenos ciclos, muitas vezes denotando uma perturbação do narrador ao retornar a determinados termos, situação que muitas vezes também é a do leitor.

- Ao demonstrar como a sociedade moçambicana foi e continua sendo marcada pela colonização portuguesa, em um regime racista e explorador que privava as pessoas da liberdade em seu sentido mais amplo, a obra se tornou um dos maiores exemplos de como a literatura pode servir como denúncia e combate às injustiças sociais, motivo pelo qual continua influenciando novos autores e inspirando novas pesquisas sobre o mundo pós-colonial.

- O racismo, a violência contra a mulher, o desrespeito ao idoso e a segregação promovida pela colonização são alguns dos temas abordados nos sete contos que compõem a obra.

- Esses temas vão sendo trabalhados, em cada conto, a partir da problematização das relações estabelecidas entre colonizador e colonizado, numa organização social apresentada minuciosamente para o leitor.

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VIII – LINGUAGEM: IDIOMAS LOCAIS COM A LÍNGUA PORTUGUESA

“Eu sou uma pessoa bilíngue, tenho esta questão complicada comigo: eu falo Ronga e falo Português. Tenho a pretensão de poder explorar os limites da expressividade e da elaboração mental quer de uma língua, quer de outra” (HONWANA apud MENDONÇA, 2014, p. 13).

- Honwana apresenta um ESTILO INOVADOR, escrito em português, marcado pelas línguas maternas de Moçambique e dá voz ao sujeito negro, evidenciando o olhar do colonizado sobre o processo de colonização portuguesa em Moçambique.

- O escritor faz do binômio “cultura tradicional” x “cultura aculturada”, que considera como conceitos problemáticos, porque eurocentrados. Entretanto, explica que tomará de empréstimo – fazendo um esforço “para aceitar essa categoria estranha de ‘aculturação’” –, como expediente de análise, para pensar Moçambique, enquanto uma nação em que há a coexistência de duas culturas, uma “tradicional” e outra “aculturada”.

Honwana é “nativo”, recebeu educação portuguesa, mas não esqueceu os costumes das culturas locais. Ele é o sujeito moçambicano moderno, transita pelas culturas da terra, de seus antepassados e a levada e imposta pelo colonizador.

- O autor chama a atenção para o risco de se tender a um nacionalismo cultural, limitando a criatividade aos valores tracionais apenas, deixando de fora expressões culturais que são, sim, resultantes do encontro forçado entre culturas, mas que não deixam de representar a cultura nacional.

- Bernardo Honwana, embora tenha escrito a referida obra em português, sempre utiliza palavras de algum dos idiomas locais. As palavras dina e nhinguitimo, título de dois de seus contos, e machamba, são exemplos. Provavelmente essas palavras são do idioma Ronga, que é bastante falado em Maputo.

- Outro recurso utilizado por Honwana é a repetição de frases semelhantes em momentos distintos no mesmo conto, de modo a cadenciar a narração, chegando a criar no leitor um certo suspense, pois a utilização desse recurso marca a mudança de uma parte do conto para outra. Um exemplo pode ser visto no início do conto Nhiguitimo, no tópico “As rolas”, no qual o autor apresenta os pássaros que aparecem nas machambas:

“De vez em quando duas, três rolas, seis no máximo, destacam-se da trajetória do resto do bando e pousam nas machambas para provar os grãos”. (HONWANA, 2015, p. 105).

Ao finalizar o mesmo tópico, reutiliza esse recurso: “Duas ou três rolas, seis no máximo, perfuram nervosamente o espaço por sobre as machambas, avisando dos perigos da tempestade e conduzindo a retirada” (HONWANA, 2015, p. 105).

Continua com essa estratégia ao longo do conto, utilizando este recurso pela última vez ao fim do tópico que precede a conclusão da história:

Perfurando nervosamente a poeirada, duas ou três rolas, talvez seis, sobrevoaram os trabalhadores em círculos apertados. Depois do aviso frenético, as rolas rumaram para as grandes florestas do outro lado do rio, fugindo do ‘nhinguitimo’ (HONWANA, 2014, p. 120).

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PERSONAGENS:

- Segundo Honwana:

“Os papéis eram, então, exercidos da seguinte forma: os colonos, europeus radicados nas colônias, ocupavam os cargos de administrador e funcionários das colônias; os colonizados eram explorados pelo sistema e alguns, poucos, tinham a sorte, se assim pode dizer, de estudar nas escolas coloniais e depois serem enviados para a metrópole, de onde voltavam “assimilados”. O “nativo”, para ser considerado “assimilado”, “via-se obrigado a abandonar os usos e costumes tradicionais (...) e portar-se sob as normas do sistema econômico imposto pelos colonizadores” (MUNANGA, 1988, p.14).

- Honwana apresenta o espaço ocupado pelo colonizado, marcado pela pobreza. Sob o olhar do “assimilado”, a sociedade colonial moçambicana vai sendo apresentada de modo a denunciar essa cisão entre os dois mundos.

- Primeiramente, notamos que os adultos não negros das narrativas são sempre identificados pelo cargo que ocupam na sociedade colonial e em letra maiúscula: a “Senhora Professora”, o “Senhor Administrador”, o “Doutor da Veterinária”, o “Senhor Padre”.

- Percebemos também que esses adultos se relacionam com o colonizado – Ginho, Isaura, Vírgula Oito – demarcando a autoridade, a superioridade e desprezo do branco em relação ao mundo do nativo, negando-lhe, inclusive, sua condição de ser humano.

- Chama-nos a atenção o fato de, em cada conto, os narradores demonstrarem diferentes níveis de consciência a respeito do processo de colonização e dos males causados por essa, revelando atitudes diversas. Ora titubeantes, como o inseguro Ginho, de “Nós Matamos o Cão-Tinhoso”, que retorna como narrador de outros dois contos, com posturas diferentes. Outras vezes anêmicas, como as do narrador mais crescido de “Inventário de Imóveis e Jacentes” (1980, p. 36-39), que, após delinear a pobreza da sua família, sem enxergar um horizonte melhor, finaliza a narração, dizendo que não tem “tanta vontade de sair da cama, embora não tenha sono nenhum” (p.39). Também determinadas, como em “Papá, Cobra e Eu” (1980, p. 60-74)., em que o narrador aparece com uma postura firme e reativa, ao se mostrar atraído pelas ideias anticolonialistas que interessam a seu pai. Afinal, revoltosas, como o jovem de “A Velhota” (1980, p.54-59), que empreende uma descrição da pobreza em termos praticamente idênticos aos do narrador anterior, mas difere desse, ao mostrar-se revoltado com a realidade a que estava exposto.

quinta-feira, 28 de março de 2024

“OU ISTO OU AQUILO”, CECÍLIA MEIRELES

 

Ou se tem chuva e não se tem sol,

ou se tem sol e não se tem chuva!

 

Ou se calça a luva e não se põe o anel,

ou se põe o anel e não se calça a luva!

 

Quem sobe nos ares não fica no chão,

quem fica no chão não sobe nos ares.

 

É uma grande pena que não se possa

estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

 

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,

ou compro o doce e gasto o dinheiro.

 

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...

e vivo escolhendo o dia inteiro!

 

Não sei se brinco, não sei se estudo,

se saio correndo ou fico tranquilo.

 

Mas não consegui entender ainda

qual é melhor: se é isto ou aquilo.

 

O poema se compõe de oito dísticos, os versos variam de metro, apresentam entre nove e onze sílabas.

A rima figura de forma regular: o segundo verso de um dístico rima com o segundo do dístico que o sucede e essas rimas são diferentes em cada par de estrofes.

O eu lírico assume uma voz infantil. Inicia o poema com a mera constatação de que a ocorrência da chuva exclui a presença do sol e vice-versa, ou seja, um dado natural e objetivo, mas o eu lírico não deixa de expressar seu espanto incômodo por meio da exclamação.

Passa, então, às escolhas: primeiro do vestuário, depois -ambiguamente graças ao uso do pronome indefinido “quem” – remete:

no plano denotativo, aos seres que ocupam o ar ou o chão e, no plano conotativo, àqueles que se deixam levar pelo imaginário ou que optam por se manter presos à realidade.

Lamenta então no dístico seguinte a impossibilidade de conciliar a ocupação dos dois lugares: o ar e o chão, bem como o imaginário e a realidade.

Nas estrofes seguintes, o eu lírico questiona-se quanto à opção por comprar doce, brincar e correr, por um lado, ou poupar, estudar e ficar tranquilo, por outro: as quais reiteram metonimicamente a referência à seleção ou da satisfação do desejo/ do prazer – a saciação do imaginário/ da fantasia -, ou da manutenção da seriedade e responsabilidade – necessidades do universo pragmático.

- Essa oposição sugere inclusive a crise relativa ao momento de transição da infância para a vida adulta: a adolescência. Mas o eu lírico não se define, permanece incapaz de escolher entre as duas experiências, igualmente importantes e significativas. Conforme assinala

Camargo (1998), a mudança rítmica decorrente do encadeamento entre os versos dessa estrofe central em que figura a expressão do descontentamento bem como a hipérbole “vivo escolhendo o dia inteiro”, sugerem o desejo de transcender os limites.

Assim, a poeta, por meio da voz infantil, recria a experiência infantil para remeter a questões que extrapolam o universo da criança: o descontentamento com a necessidade de fazer escolhas diariamente e o desejo de transcender os limites.

- Não se minimizam os dilemas da criança ou do adolescente, pelo contrário, discute-se uma questão humana vivenciada não estritamente na infância.

O poema convida indiretamente o leitor a partilhar das dúvidas, identificando-se com a voz infantil representada no poema e, desse modo, Cecília Meireles reduz ao máximo a distância entre “o criador e a criatura” – entre a poeta adulta e o seu público infantil.

- O universo e a voz infantis são recriados de forma respeitosa, inclusive apontando para temas que não se restringe ao universo da criança, ou seja, cria-se no poema realmente uma ponte entre a experiência infantil e um desejo universal.

Quanto à forma, nesse poema, as similaridades sintáticas são exploradas para sugerir a equivalência dos dois planos: o da saciação da fantasia e do prazer, bem como o da manutenção da responsabilidade.

- Afinal a estruturação paralelística e o uso de orações alternativas nas estrofes um, dois, três, cinco, seis e sete reiteram na forma a equivalência dos elementos comparados, reforçando a dificuldade da escolha.

- Já, nas estrofes quatro e oito, o encadeamento dos dísticos quebra o ritmo do poema introduzindo o pensamento reflexivo.

- Especialmente, na última estrofe, com o uso da conjunção “mas” - não com valor adversativo, mas tal qual se emprega na linguagem coloquial como forma

 

 

quarta-feira, 13 de março de 2024

“Alma minha gentil, que te partiste”, Camões

 

Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente

E viva em cá na terra sempre triste.

 

Se lá no assento etéreo, onde subiste,

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro vistes.

 

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

 

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,

Quão cedo de meus olhos te levou.

 

   O soneto, que os biógrafos associam à morte de Dinamene (Tinanmen), amante chinesa com que Camões viveu em Macau, é um dos mais conhecidos. Segundo a tradição, acusado de delitos administrativos, Camões e Dinamene teriam sido levados da China para a Índia, onde seria julgado o poeta. Na viagem, por volta de 1560, o navio naufraga nas costas do rio Mekong. Camões teria conseguido salvar-se e salvar “Os Lusíadas”, que trazia quase concluído, mas teria perdido Dinamene, a sua “alma gentil”, relembrada em elevado tom elegíaco, quase místico.

   O Platonismo revela-se, no soneto, pela sublimação eternizadora da amada, a partir de sua morte. O poeta contempla a amada transubstanciada em puro espírito (“lá no assento etéreo”), por via do muito amar.

   O apelo aos sentidos é transcendentalizado, imaterializado, buscando Dinamene no Céu, em Deus, entendidos como valores filosóficos, míticos e não apenas religiosos ou cristãos.

   A morte implica uma espécie de purificação. A amada que partiu para esse “mundo das ideias e formas eternas”, também se torna objeto de elevação e saudade. Mas a “reminiscência”, neste caso, tem mão dupla: do poeta, que se eleva à beleza imaterial da amada, como usual, e também na direção oposta, pois o poeta sugere a possibilidade de que a amada se lembra dele, “lá do assento etéreo”.

   O poeta clássico equilibra a expressão de seus transes existenciais com a disciplina clássica. Emoção e razão, expressão pessoal e imitação modelam uma dicção sóbria, contida, mas nem por isso menos comovente. Mesmo quando aproveita o material autobiográfico, não há o desequilíbrio desesperado dos românticos.

   A morte da amada serve também ao exercício poético da imitação, no caso, do modelo petrarquista: “Questa anima gentil Che si diparte” e “Anima bella, da quel nodo sciolta.”

   A situação conflitiva que o poeta retrata projeta uma tensão que se aproxima do Maneirismo e, por essa via, do Barroco: a presença da morte, o tom fatalista, o dualismo que opõe vida e morte, passado e presente, serenidade e sofrimento.

 

sexta-feira, 1 de março de 2024

LÍNGUA PORTUGUESA, OLAVO BILAC

 

Última flor do Lácio, inculta e bela,

És, a um tempo, esplendor e sepultura:

Ouro nativo, que na ganga impura

A bruta mina entre os cascalhos vela…

 

Amo-te assim, desconhecida e obscura,

Tuba de alto clangor, lira singela,

Que tens o trom e o silvo da procela

E o arrolo da saudade e da ternura!

 

Amo o teu viço agreste e o teu aroma

De virgens selvas e de oceano largo!

Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

 

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”

E em que Camões chorou, no exílio amargo,

O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

 

- APOIADO NA TRADIÇÃO UFANISTA, BILAC ASSUMIU O PAPEL DE POETA CÍVICO, EXALTANDO A PÁTRIA, SUA LÍNGUA, SEUS SÍMBOLOS E HERÓIS ENGAJANDO-SE NAS CAUSAS CÍVICAS DE SEU TEMPO.

- O TÍTULO DO POEMAS JÁ INDICA A TEMÁTICA QUE SERÁ ABORDADA PELO AUTOR : O HISTÓRICO DA LÍNGUA PÁTRIA QUE REPRESENTA A MAIOR PROVA DE CIDADANIA.

 

- PRIMEIRA ESTROFE:

 

- A METÁFORA DA LÍNGUA COMO UMA FLOR,

« ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO, INCULTA E BELA».

- INCULTA: REFERE-SE AO FATO DE A LÍNGUA PORTUGUESA TER SIDO A ÚLTIMA LÍNGUA NEOLATINA FORMADA A PARTIR DO LATIM VULGAR, OU SEJA, O LATIM POPULAR, FALADA PELOS SOLDADOS DA REGIÃO ITALIANA DO LÁCIO, PORTANTO NÃO PARTIU DOS ERUDITOS OU ECLESIÁTICOS, O QUE ENFATIZA A NATURALIDADE DA LÍNGUA PORTUGUESA.

- BELA: REFORÇA O SENTIDO DA BELEZA ASSOCIADA AO ASPECTO SIMPLES E NATURAL DA LÍNGUA. 

- NO SEGUNDO VERSO, HÁ UM PARADOXO: “ÉS A UM TEMPO, ESPLENDOR E SEPULTURA».

- “ESPLENDOR”, PORQUE UMA NOVA LÍNGUA ESTAVA ASCENDENDO, DANDO CONTINUIDADE AO LATIM ; BRILHANTE, RELUZENTE E ORIGINADA DE UMA LÍNGUA MUNDIALMENTE CONHECIDA – O LATIM.

- “SEPULTURA” PORQUE, A PARTIR DO MOMENTO EM QUE A LÍNGUA PORTUGUESA VAI SENDO USADA E SE EXPANDIDO, O LATIM VAI CAINDO EM DESUSO, «MORRENDO».

- NO TERCEIRO E QUARTO VERSO: “OURO NATIVO, QUE NA GANGA IMPURA / A BRUTA MINA ENTRE OS CASCALHOS VELA» 

- GANGA: IMPUREZAS SEM VALOR ENCONTRADOS JUNTOS DOS MINÉRIOS; RESÍDUOS.

- O POETA EXALTA A LÍNGUA QUE AINDA NÃO FOI LAPIDADA PELA FALA, EM COMPARAÇÃO ÀS OUTRAS TAMBÉM FORMADAS A PARTIR DO LATIM.

 

- SEGUNDA ESTROFE:

 

- O POETA AINDA EXPRESSA O SEU AMOR PELO IDIOMA, AGORA ATRAVÉS DE UM VOCATIVO :

- “AMO-TE, Ó RUDE E DOLOROSO IDIOMA»: ESSA DECLARAÇÃO DE AMOR É ALTAMENTE VISÍVEL POR MEIO DA INSERÇÃO DA SEGUNDA PESSOA DO SINGULAR, EVIDENCIANDO O DESTINO DA FALA DIRETAMENTE À LÍNGUA PORTUGUESA. 

- BILAC ALUDE AO FATO DE QUE O IDIOMA AINDA PRECISAVA SER MOLDADO (« RUDE ») E, IMPOR ESSA LÍNGUA A OUTROS POVOS QUE NÃO ERA UMA TAREFA FÁCIL, POIS IMPLICOU E  DESTRUIR A CULTURA DE OUTROS POVOS.

- NO VERSO: «TUBA DE ALTO CLANGOR, LIRA SINGELA», O POETA SEGUE ENALTECENDO A BELEZA DA LÍNGUA EM SUAS DIVERSAS EXPRESSÕES, COMPARANDO-A COM CANÇÕES, SONS DE INSTRUMENTOS MUSICAIS DAS GRANDES ORATÓRIAS (ALTO CLANGOR, SOM ALTO ESTRIDENTE), CANÇÕES DE NINAR, EMOÇÕES.

- OU SEJA, APESAR DE ESTRIDENTE, FORTE, PODE TAMBÉM SER SERENA, SINGELA AOS NOSSOS OUVIDOS.

- EM «TENS O TROM E O SILVO DA PROCELA», O POETA EM TOM DE INTIMIDADE, POR MEIO DO PRONOME «TU» :

- TROM: SOM DE TROVÃO ; SONS FORTES DA LÍNGUA.

- SILVO: VENTO; SONS SIBILANTES, COMO UM ASSOVIO QUE CHEGA A LONGAS DISTÂNCIAS,

COMO O VENTO.

- PROCELA: FORTE TEMPESTADE NO MAR COM VENTO INTENSO E GRANDES ONDAS.

- QUER DIZER, É A LÍNGUA QUE DESABROCHA PELOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES E GANHA O MUNDO.

- «E O ARROLO DA SAUDADE E DA TERNURA!»

- ARROLO: SOM DAS POMBAS – TRATA-SE DA DIVERSIDADE DE SONS SUAVES E FORTES, EVOCA CHEIRO.

 

- PRIMEIRO TERCETO:

 

- «AMO O TEU VIÇO AGRESTE E O TEU AROMA»

- VIÇO: VIGOR EM TODA PARTE, INCLUSIVE NO «AGRESTE».

- SINESTESIA: IDEIA DE AROMA E BELEZA RÚSTICA.

- «DE VIRGENS SELVAS E DE OCEANO LARGO!»

- APONTA A RELAÇÃO SUBJETIVA ENTRE O IDIOMA NOVO.

- “VIRGENS SELVAS»: FAZ ALUSÃO AO DESCONHECIDO DAS FLORESTAS AINDA NÃO EXPLORADAS PELO HOMEM BRANCO.

- “OCEANO LARGO»: MANIFESTA A MANEIRA PELA QUAL A LÍNGUA FOI TRAZIDA AO BRASIL, ATRAVÉS DO « OCEANO LARGO », NUMA LONGA VIAGEM DE CARAVELA.

- «AMO-TE, Ó RUDE E DOLOROSO IDIOMA»: ALUDE À DIFICULDADE DE SE ENTENDER AS REGRAS E AS EXCEÇÕES.

 

- SEGUNDO TERCETO:

 

- «EM QUE DA VOZ MATERNA OUVI: MEU FILHO

- FICA EVIDENTE O PAPEL MATERNO DA LÍNGUA PORTUGUESA, PORTANTO, PERSONIFICADO E DE LONGA VIDA.

- «E EM QUE CAMÕES CHOROU, NO EXÍLIO AMARGO,

O GÊNIO SEM VENTURA E O AMOR SEM BRILHO!»

- HÁ UM ELO ENTRE O EU POÉTICO E CAMÕES, QUEM CONSOLIDOU A LÍNGUA PORTUGUESA NO SEU CÉLEBRE LIVRO «OS LUSÍADAS», UMA EPOPEIA QUE ESCREVEU PROVAVELMENTE QUANDO ESTEVE EXILADO, NAS COLÔNIAS DA ÁFRICA E DA ÁSIA.

 

- Esse poema inspirou “Língua”, de Gilberto Mendonça, e a letra da canção “Língua Portuguesa”, de Caetano Veloso.

 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA, CECÍLIA MEIRELES

ROMANCE XIV OU DA CHICA DA SILVA




- ESTE ROMANCE, O EU POÉTICO ASSUME O FOCO EM TERCEIRA PESSOA PARA CONTAR PARTE DA HISTÓRIA DE CHICA DA SILVA, A “DONA DO TEJUCO”.

- NA EPÍGRAFE SENTIMOS O TOM TEMPORALMENTE DISTANTE (OS DOIS VERBOS ESTÃO NO PRETÉRITO PERFEITO) E HIPERBÓLICO, QUE DIZ:

(ISSO FOI LÁ PARA OS LADOS

DO TEJUCO, ONDE OS DIAMANTES

TRANSBORDAVAM DO CASCALHO.)

 - NESTE ROMANCE, CHICA DA SILVA APARECE PODEROSA, RICA E OCUPA O CENTRO DO ESPAÇO E DO TEMPO.

VESTIDA DE TISSO,

DE RASO E DE HOLANDA

- É A CHICA DA SILVA:

- É A CHICA-QUE-MANDA! (...)

 

MIL LUZEIROS CHISPAM

À FLEXÃO MAIS BRANDA

DA CHICA DA SILVA,

DA CHICA-QUE-MANDA!

E CURVAM-SE, HUMILDES,

FIDALGOS FARFANTES,

Á LUZ DESSA INCRÍVEL

FESTA DE DIAMANTES.

 

- A POETA FOI CUIDADOSA AO CRIAR ESTES VERSOS E DESCREVER COM MINÚCIA A FIGURA DE CHICA NO SEU IMPÉRIO DE LUXO, RESPLANDECENTE DE OURO E DIAMANTE.

- TRAJANDO ROUPAS DE TECIDOS FINOS E TODA IMPONENTE E TAMBÉM AUTÔNOMA E NÃO MAIS ANÔNIMA COMO ERAM AS MULHERES DA ÉPOCA E PRINCIPALMENTE, AS NEGRAS ESCRAVAS.

- AINDA, HÁ A DESCRIÇÃO DOS HOMENS QUE ADMIRAVAM A BELEZA DESTA MULHER.

- OS DIAMANTES REPRESENTAM A NOBREZA, OU SEJA, CHICA ERA UMA DAMA DA SOCIEDADE MINEIRA.

- EM UMA DAS VÁRIAS COMPARAÇÕES DADAS A ELA, ENCONTRAMOS A IMAGEM DO SOL, ASTRO QUE COMANDA. SUA FIGURA NOS LEVA, EM MUITOS VERSOS, À CEGUEIRA DEVIDO A TANTA LUZ QUE SUA PRESENÇA EMANA.

- UMA ALCUNHA UTILIZADA PELO EU LÍRICO PARA RETRATÁ-LA É, JUSTAMENTE, “CHICA-QUE-MANDA”, COMO SE O SEU NOME ESTIVESSE À AÇÃO DE COMANDO.

- PELO MODO COMO SE PORTA, PODEMOS VER QUE CHICA COPIA OS GESTOS DO COLONIZADOR, POIS DESEJA APROVEITAR SUA NOVA CONDIÇÃO SOCIAL.

- DE ESCRAVA À “DONA DO DONO DO SERRO DO FRIO”, CHICA AGORA É A DOMINADORA, E ENCONTRA-SE, EM QUESTÃO DE PODERIO, ACIMA DE TODOS.

(DIAMANTES ERAM, SEM JACA,

POR MAIS QUE MUITOS QUISESSEM

DIZER QUE ERAM PEDRAS FALSAS.)

 

- CHICA É COMPARADA À VÊNUS, À RAINHA DE SABÀ E À SANTA IFIGÊNIA:

(COISA IGUAL NUNCA SE VIU.

DOM JOÃO QUINTO, REI FAMOSO,

NÃO TEVE MULHER ASSIM!)

 

- TAL AFIRMAÇÃO CONSTITUI UMA AFRONTA AO FAMOSO REI DE PORTUGAL CUJA MULHER NÃO SE COMPARAVA À CHICA. O TEXTO EM REFERÊNCIA, IRÔNICA E SUTILMENTE, CONFIGURA UMA REALIDADE QUE PODERIA ABALAR O PODER.

- COMPRADA POR JOÃO FERNANDES, NO NATAL DE 1753, CONQUISTOU ALFORRIA POUCO DEPOIS.

- ENTRE 1755 E 1770, TEVE 13 FILHOS COM O JOÃO FERNANDES E CONQUISTOU STATUS PRIVILEGIADO.

- COMO ESTRATÉGIA DE NEGROS E NEGRAS ENRIQUECIDOS, ERA PRÁTICA COMUM PARTICIPAR DE IRMANDADES RELIGIOSAS.

- CABE SALIENTAR QUE A FILIAÇÃO ÀS IRMANDADES PROCURAVA AGREGAR INDIVÍDUOS DE MESMA ORIGEM E CONDIÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL, CONSTITUINDO-SE, PORTANTO, NUM MODO DE OBTER DISTINÇÃO E RECONHECIMENTO SOCIAL.

- ENTÃO, ESTRATEGICAMENTE, CHICA ASSOCIA-SE A DIVERSAS IRMANDADES ATÉ ENTÃO, EXCLUSIVAS DE BRANCOS. PORTANTO, CIRCULAVA EM DIVERSOS ESPAÇOS, CONSOLIDANDO SEU PODER, SENDO ACEITA COMO PARTE DA ELITE LOCAL COMO TAMBÉM, MANTINHA LAÇOS SOCIAIS COM NEGROS.

- COM A PARTIDA DE JOÃO FERNANDES, EM 1770, PARA RECEBER OS BENS DEIXADOS EM TESTAMENTO PELO PAI, CHICA FICOU NO ARRAIAL DO TIJUCO COM OS FILHOS E PASSOU A ADMINISTRAR SOZINHA AS POSSES DEIXADAS PELO “CONTRATADOR”.

- COMPORTAVA-SE COMO QUALQUER SENHORA ABASTADA DO TEJUCO.

- O DESTINO DE SEUS FILHOS FOI PARADOXAL:

- HOUVE OCASIÕES EM QUE A FORTUNA QUE HERDARAM, ASSIM COMO A IMPORTÂNCIA DO PAI E DOS ASCENDENTES PATERNOS, FORAM DETERMINANTES. EM OUTRAS, A COR QUE HERDARAM DA MÃE E SUA CONDIÇÃO DE EX-ESCRAVA PESARAM NEGATIVAMENTE.

- O MAIOR ALIADO DE CHICA NÃO FOI SUA SENSUALIDADE NEM A FORÇA DO CARÁTER, MAS O DINHEIRO, PORQUE DINHEIRO NÃO TER COR.

- CHICA DA SILVA MORREU EM 1796 E FOI ENTERRADA NA IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS, LOCAL DESTINADO EXCLUSIVAMENTE A BRANCOS ENDINHEIRADOS, TALVEZ ESSE SEJA O PRINCIPAL SÍMBOLO DA INSERÇÃO DE CHICA NA ELITE DA SOCIEDADE EM QUE VIVEU.

- CHICA DA SILVA AO REPRODUZIR A CULTURA DO DOMINADOR, FAZ COM O INTUITO DE ATACÁ-LO PARA VENCER AS DIFERENÇAS IMPOSTAS PELO PRÓPRIO DOMINADOR – OS PRECONCEITOS QUE SERVIRAM DE BASE À EXPLORAÇÃO DOS NEGROS.

- É, PORTANTO COMO MULHER QUE CHICA DA SILVA DESEMPENHA SEU PAPEL NA TRAGÉDIA DA HISTÓRIA, PROCURANDO EM VÃO MODIFICAR-LHE O CURSO”.